sábado, 16 de abril de 2011

Poeta buritiense Chagas Val


Nasceu no Estreito, Buriti dos Lopes – Piauí, a 23 de julho de 1943.
Até os vinte anos residiu no Piauí onde fez o curso primário no estreito e em Buriti dos Lopes no grupo escolar Leônidas Melo, o ginasial em Parnaíba no ginásio São Luís Gonzaga e até o 2° ano científico também em Parnaíba, no colégio Lima Rebelo, quando, então, se transferiu para São Luís, em 1963, terminando o científico no colégio de São Luíz.
Professor em vários colégios da Capital maranhense (Rosa Castro, Luís Viana, ginásio SENAC, escola Normal do Estado), somente em 1974 licenciou-se em Letras pela UFMA, quando já iniciara a sua carreira poética com a publicação, em 1973 de Chão e Pedra. E vieram depois, Chão Eterno e Mundo Menino (1979), Teoria do Naufrágio (1987), Floração das Águas (1992), Estado Provisório da Água (1993) e Anatomia do Escasso Cotidiano (1998).

Chão e Pedra (1973)

RECRUCIFICAÇÃO

Pode o lago informe ainda
penetrar o chão do corpo
quando o vento apaga o verde
de seu rosto duro e cego?

Pode o vento em si partido
refletir-se no espelho
do espanto só de medo?

Pode o corpo não cumprir-se
debruçado contra o tempo
quando o mundo sem retorno
nasce um grito em cada boca?

Pode o rosto (enquanto cego)
permitir-se um quase riso
quando estar-se afogado
é nascer de nova morte?

Chão Eterno (1979)

POEMA 14

É a ponte um grande arco
distendido sobre as águas,
um abraço de concreto
mais real que todo sonho,
um desenho tão perfeito
que projeta luz e sombra,
um desejo azul de mares,
linha branca e horizontes.
Há sem dúvida no seu bojo
muito vento e maresia.
Contemplada avulta a ponte,
é um pássaro que voa
no silêncio de si mesmo
sobre arcos e ventanias,
luzes brancas que iluminam
a noturna paisagem
que cimenta a fantasia,
um negro traço escuro
nas águas de São Francisco
ou um duro chão de ferro
arquitetado e sombrio.
A ponte não se define
na visão triste dos mortos,
um soluço a alvar de pedra,
um áspero vôo espesso
e asas azuis e verdes
e os carros a percorrem
na veloz noite dos tempos,
dançam luzes pelos ares,
claros sóis, limpos luares,
sons, odores, pesos, pedras,
em sua real construção,
a ponte que se inaugura.

Teoria do Naufrágio (1987)

LUMINOSIDADE

As mãos semeiam luzes no deserto
há sangue no silêncio das gavetas
quem vaga pelas desertas ruas da cidade
ao olhar-se nos espelhos e nas nuvens
cavando abismos no escuro apunhalado?

Quem fere a noite com soluço e sonho
tangendo o sonolento sino da mesquita?
Quem sangra debruçado sobre a tarde
e abre a mão ferindo o próprio medo?
Há passos sonolentos nas calçadas
há risos cristalinos nas janelas

As mãos semeiam cores nos jardins
no espaço se ergue um canto como espada
os frutos iluminados até se abrem
as flores entre galhos incendeiam-se
Quem bate assim na porta tão distante
quem salta sobre muros e se esconde
por trás de mesas, copos e lembranças?

Na sombra assoma um rosto repentino
um rio nasce entre planícies e gestos
as claras águas se iluminam e cantam
Quem pode soeguer-se do silêncio atado
no tempo atrás do mundo com a mão fechada?
Quem pode no escuro despertar o pássaro
do alto da colina acendendo o facho
a luz que vem do chão do espelho mágico?

Floração das Águas (1992)

PAISAGEM DE RELVAS

A relva, quando chove, reverbera
à luz do sol enquanto escorre pelo ar
o som quase inaudível de uma gota d’água
que tomba e se estilhaça docemente

Molhada, a relva encolhe-se sutilmente
qual se ferida em seus frágeis flancos
ou na paisagem claramente exposta
a relva deflagra sua terna alegria

Pequeninos pontos reluzindo ao sol
esparzem-se pelo espaço como espelhos
a refletir a paisagem de relvas
ainda tenras mas viçosas e verdinhas

A relva tece tapetes de verduras
caminhos mais sensíveis pelo espaço
onde pasta a mansa boiada a mugir
gotinhas d’água no ar a desenhar-se

Qual se fora assim o paraíso resumido
os pequeninos seres levemente alados
as florezinhas de um bosque iluminadas
a relva saltitante em meus cabelos

e seu reflexo permanente e belo

travessia

Quem atravessará um rio
entre fios maltecidos?
quem destecerá a chuva
e seus cabelos de frio?

AVE, VIDA!

A vida entre palavras, palavra!
Mais ainda existir se torna áspero,
um passarinho dissolve-se no ar,
não-há o passarinho em dis-solução,
existe sim o pássaro no ar sozinho,
o passarinho dissoluto, o-avezinho

CORRENTES D’ÁGUA

O rio na luz se abre
com seu riso a desenhar-se
na paisagem azul do dia
duas linhas
um fino traço
duas margens verdilongas
é o longá a inundar-se
além do leito
nas margens
o rio estende os braços
alonga o curso
a palavra
a chama acesa das águas
a flor mais úmida da noite
nessa fala mais que breve
nesse vento mais que brisa

Estado Provisório da Água (1993)

ALICERCE

Um alicerce tem suas raízes no tempo
construído com método e precisa engenharia
e sobre ele se edifica uma parede branca,
um pedaço de cidade iluminada em espelho
um rio corre por dentro das veias do centro
ou por baixo das finas areias e de cimento bruto
imperceptível se move uma água rasa, um fio
azul de vento que anuncia a casa construída
o território ocupado por onde as sombras fe-
ridas caminham ou escorrem agudas as vozes
estrídulas de crianças que dançam e brincam,
os olhos cheios de luz, os corpos transparentes

Anatomia do Escasso Cotidiano (1998)

VAN GOGH

Nos campos do luar medram alucinados vegetais,
a mão com pincéis de morte atingem os brancos hospícios,
as cores ferindo a paisagem enlouquecem os finos traços,
flutua na ácida luz uma orelha estranha decepada

A voz ferida entre os girassóis ilumina-se
nos suaves-tensos matizes de amarelo-sangue

Van Gogh planta num quadro os girassóis da morte
as linhas em meio às fundas marcas dos dedos
matizam de sincopados tons a soturna sinfonia,
seus dedos trágicos passeiam sobre a textura da pele

Uma orelha apenas acenderá fúlgidos relâmpagos
no espaço torturado de pinturas sóbrio-atormentadas?
Uma orelha, à margem do infinito fundará incandescente

abismo?

Fonte: Reduto literário

Um comentário:

  1. adorei a biografia, ainda sou parente do Chaga Val, o pai dele é irmão do meu avô.também escrevo poemas e acho massa os poemas dele é uma pena que conheço poucos

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